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Como o Brasil está criando uma identidade única na produção de cerveja

O Brasil ocupa uma posição de destaque no mercado global de cerveja, sendo o terceiro maior produtor e um dos principais consumidores da bebida no mundo. Anualmente, são produzidos 13,8 bilhões de litros, um volume superado apenas pela China e pelos Estados Unidos.

No entanto, o país ainda enfrenta desafios na produção de ingredientes essenciais, como cevada e lúpulo, que dependem em grande parte de importações. Com o avanço das pesquisas e inovações tecnológicas, isso está começando a mudar.

Ciência transforma mercado de cerveja e insumos no Brasil

A cevada é um exemplo claro de como a ciência pode transformar o setor cervejeiro. Mais de 90% da cevada cultivada no Brasil hoje é fruto de pesquisas nacionais lideradas pela Embrapa. Ao longo de quatro décadas, foram desenvolvidos 30 novos cultivares adaptados ao clima e ao solo brasileiros.

Essa evolução trouxe ganhos expressivos. A produtividade, que era de 1 tonelada por hectare nos anos 1970, triplicou para 3,5 toneladas atualmente. Mas, apesar dos avanços, o Brasil ainda não é autossuficiente. Apenas 43% da demanda interna é atendida pela produção nacional, sendo o restante importado, principalmente da Argentina e de países da Europa e América do Norte.

Lúpulo está mudando o jogo

Outro ingrediente essencial para a produção de cerveja, o lúpulo, também tem ganhado espaço nas lavouras brasileiras, embora os desafios sejam maiores. O lúpulo, responsável pelo amargor e aroma característicos da bebida, é uma planta originária de regiões de clima temperado. Historicamente, a produção nacional era inexistente, obrigando o Brasil a importar cerca de 2,4 mil toneladas anuais, com um custo de US$ 35 milhões. No entanto, iniciativas de pesquisadores e agricultores têm mudado esse cenário.

No Paraná, o engenheiro-agrônomo Felipe Francisco lidera pesquisas que buscam adaptar o cultivo de lúpulo às condições brasileiras. Um dos maiores desafios é o fotoperíodo, ou seja, a quantidade de luz solar que a planta recebe durante o dia.

Para resolver esse problema, os produtores utilizam iluminação artificial para simular as condições ideais de crescimento. Nos últimos dois anos, as primeiras safras de lúpulo nacional mostraram resultados promissores, com uma produtividade média de 1 tonelada por hectare. Apesar de ainda ser um terço da produtividade europeia, a qualidade obtida foi considerada satisfatória.

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Variedade de lúpulo para cerveja adaptada ao Brasil

Experiências inovadoras também estão ocorrendo em São Bento do Sapucaí, São Paulo. Lá, o engenheiro-agrônomo Rodrigo Veraldi conseguiu desenvolver uma variedade de lúpulo adaptada ao clima brasileiro. A descoberta aconteceu por acaso, quando uma muda sobrevivente passou por uma mutação genética que a tornou resistente ao clima úmido e ao ataque de fungos. A partir dessa planta, Veraldi iniciou um dos primeiros cultivos comerciais de lúpulo no Brasil. A variedade foi usada pela cervejaria Brasil Kirin em edições especiais de suas marcas, marcando um avanço importante na construção de uma identidade cervejeira nacional.

Essas inovações não se limitam aos ingredientes. A indústria cervejeira brasileira conta com mais de 50 complexos fabris com tecnologia de padrão mundial. Isso tem permitido otimizar processos, reduzir custos e melhorar a qualidade do produto final. Segundo Paulo Petroni, diretor-executivo da CervBrasil, a colaboração entre universidades, institutos de pesquisa, cervejarias e agricultores tem sido fundamental para impulsionar o setor.

Nova identidade brasileira

O impacto dessas iniciativas vai além da redução da dependência de importações. Elas representam um passo importante para consolidar uma identidade própria para a cerveja brasileira. A possibilidade de cultivar cevada e lúpulo adaptados ao clima nacional, por exemplo, abre caminho para o desenvolvimento de sabores únicos e característicos, alinhados às preferências do mercado local.

No entanto, o caminho ainda é longo. Para que o Brasil se torne autossuficiente na produção de ingredientes cervejeiros, é necessário ampliar os investimentos em pesquisa e infraestrutura. Além disso, a expansão da área cultivada, especialmente em estados como São Paulo, Goiás e Minas Gerais, pode contribuir para aumentar a produção e reduzir custos.

Em um mercado em constante crescimento, principalmente no segmento de cervejas artesanais, que tem registrado expansão anual de 20%, essas inovações são cruciais. Elas não apenas fortalecem a competitividade da indústria brasileira, mas também ajudam a consolidar o país como um dos grandes nomes no cenário cervejeiro global. O esforço conjunto entre ciência, tecnologia e mercado tem mostrado que é possível superar barreiras e criar oportunidades, levando a cerveja brasileira a novos patamares de qualidade e reconhecimento.

Fonte: Revista FAPESP (leia mais aqui).

Rodrigo Peronti

Rodrigo Peronti

Jornalista desde 2012, especializado em Comunicação e Semiótica. Já atuou em grandes veículos de comunicação do Brasil e se dedica ao estudo e divulgação do lúpulo no Brasil.

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